Hércules
adentrava velozmente os pântanos de Lerna, como se, após passar o pântano,
fosse chegar aos campos elísios, lá Megara e seus dois filhos lhe aguardariam. O
peso da pelagem do leão de Neméia, quase que dobrado pelo lamaçal, não era nada
perto do peso do sangue filicída em suas mãos. A umidade gelava-lhe os ossos e tornava-se
suportável apenas porque já havia experimentado a frieza do desprezo de Hera.
Ali
estava ela, retorcida sobre si mesma tantas vezes que mais parecia uma orgia de
serpentes, suas cabeças emergiam em meio às escamas, famintas, sedentas. Hércules
avançou com ferocidade, a cada cabeça cortada, duas nasciam no lugar. Como um
câncer, as cabeças da hidra se mutiplicavam e o segundo trabalho de hércules
tornava-se mais árduo. Engenhosamente, Hércules estancou o corte das cabeças da
hidra com um toco ardente e a oitava cabeça, dita imortal, Hércules encerrou
para sempre debaixo de uma pedra.
Do
mesmo jeito que Hércules prevaleceu sobre a fera de Lerna, o SUS vem
prevalecendo sobre o câncer. Costumamos a dizer nas converas de mesa de bar,
que o sistema de saúde brasileiro implode sobre si mesmo, não funciona e que
está fadado ao fracasso. Claro que essas acusações vem da nossa indignação com a política, com o
sistema ou com a lógica social do Estado brasileiro. Porém, quem emite esse
tipo de opinião sobre o SUS desconhece ou desconsidera seu serviço de
Atendimento Oncológico. Pertencente à Atenção Especializada de Alta
Complexidade, esse atendimento custou aos cofres públicos um gasto de R$ 2,4
bilhões de reais só em 2012, isso sem contar o investimento advindo do capital
privado que possui parceria com a rede pública nos grandes centros de
tratamento para o câncer.
O
câncer não é uma doença, mas um conjunto de doenças que partilham da mesma
origem: um conjunto de células que se mutiplicam perigosamente como as cabeças
da Hidra de Lerna, e que podem acometer orgãos diferentes, provindo disso a sua
variedade de sintomas. Por essa inespecificidade, o câncer exige atenção específica.
Como o paciente como suspeita de câncer
procederia dentro do Sistema Único? Primeiramente, ao ter uma suspeita de
câncer, ele deve se dirigir à Rede Básica, lá serão feitos os primeiros testes.
O médico, atuando como generalista, fará a anamnese do paciente e pedirá exames
complementares e encaminhará o paciente para um CACON ou para um UNACON com seu
histórico e exames feitos que confirmam a suspeita anexados. CACONs (Centros de
Referência de Alta Complexidade Oncológica) e UNACONs (Unidades de Atendimento
de Alta Complexidade Oncológica), que diferem apenas quanto a presença
obrigatória de unidades radioterápicas (os UNACONs não são obrigados a possuir
os CACONs sim), recebem o paciente e confirmam a suspeita do médico da unidade
básica ou aprofundam o diagnóstico dele com exames imagiológicos mais avançado
e com exames imunohistoquímicos, e é nesse ponto que reside uma das
fragilidades do Atendimento Oncológico da Rede Pública: quase 80% dos
especialistas reclamam da demora excessiva desses exames.
Após
a realização de um diagnóstico aprofundado de câncer, a mágica do Atendimento
Oncológico do SUS acontece. Aqui, o financiamento do tratamento não tem foco no
remédio, mas sim no paciente. Como isso ocorre? Bem, a conduta utilizada para o
tratamento no SUS não é exposta de maneira geral em sua gênese jurídica, mas é
destrinchada em diversas portarias emitidas pelo Ministério da Saúde que
dissertam sobre as categorias específicas de câncer. Contudo, podemos dizer que
essas portarias abordarão o tratamento sob uma ótica geral, pois o tratamento
para câncer é específico para o paciente e requerido pelo médico que o atendeu
e o acompanhou, assim é levado em consideração localização, grau de extensão e
tipo celular do tumor, por isso dizemos que o assunto deixa de ser o remédio,
para ser o paciente.
Por
último, o paciente é encaminhado para esmagar seu câncer debaixo de uma pedra.
Os CACONs e os UNACONs oferecerão atendimento especializado e de alta
complexidade, com clínicos, cirurgiões, UTIs e atendimento psicológico. Além
disso, nesses centros o paciente poderá realizar sua quimioterapia ou
radioterapia, dependendo da necessidade. Essas terapia ainda podem ser
realizados nos QTs e RTs, serviços localizados de quimioterapia e radioterapia,
respectivamente.
Hoje,
estima-se que o câncer pode ser curado em 60% dos casos, contudo o espectro de
dores insuportáveis, mutilação, dor e morte, ainda continua assombrando. A
principal chance cura reside na prevenção e na detecção precoce, dessas boa
parte pode ser feita por exames meramente físicos ou por exames laboratorias
como a contagem de proteínas marcadoras, um importante aliado.