terça-feira, 5 de agosto de 2014

Entrevista com o presidente da ABTO

Entrevista com Ben-Hur Ferraz, presidente da associação brasileira de transplante de órgãos para o site Dráuzio Varella

Site DV – Por esse novo método, não temos dados de alguns estados. Mesmo assim, pelo que se sabe, o número de negativas familiares no Brasil é considerado aceitável?
Ben-Hur Ferraz Neto – De forma geral, entre os países melhores colocados no que se refere a doações de órgãos, a cada quatro famílias, uma nega a permissão. Entre os piores, a cada quatro famílias, duas negam. Nós estimamos não estar longe disso. Pelo grau de educação e de informação do nosso povo, podemos concluir que o brasileiro aceita bem o processo de doação.
Site DV – Qual é o quadro atual de transplantes efetivados no Brasil?
Ben-Hur Ferraz Neto – Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo a realizar transplantes de órgãos (6402 em 2010, sem contar células e tecidos); fica atrás apenas dos Estados Unidos. Mesmo assim, esse é um número muito pequeno, se considerado o tamanho de sua população. Além disso, infelizmente, existem discrepâncias muito grandes entre os estados. Nós deveríamos ter de 20 a 25 doadores de fígado pmp (por milhão de população), por exemplo, mas temos ao redor de oito. Só que em São Paulo, esse número chega a 16. No Ceará, alcança 18. São números bem próximos da demanda local e até acima de muitos países desenvolvidos. Por outro lado, as regiões Norte e Centro-oeste sequer têm equipes de transplante de fígado. Apesar disso, pode-se dizer que o País está no caminho certo.
Site DV – O que leva a essa conclusão?
Ben-Hur Ferraz Neto – A organização do sistema, do ponto de vista de transparência e de credibilidade, amadureceu. Hoje, apesar de todos os problemas que o Brasil enfrenta, as pessoas estão convencidas de que ninguém consegue passar na frente de ninguém, nem por questões econômicas nem políticas. E não consegue, mesmo. No primeiro semestre de 2011, já registramos mais de dez doadores pmp, um recorde histórico. Em estados como Santa Catarina, São Paulo, Ceará, Rio Grande do Norte, os números têm aumentado progressivamente. São Paulo e Santa Catarina, por exemplo, têm índices muito superiores à média dos Estados Unidos e da Europa. Mas precisa haver investimento, vontade política e ações baseadas em um programa estruturado. Não adianta sair por aí fazendo o que se “acha” que vai resolver a questão.
Site DV – Que medidas precisam ser tomadas para melhorar o número de doações e transplantes realizados no País?
A Saúde Pública como um todo tem que melhorar para que possamos melhorar também a captação de órgãos. Quem é o potencial doador? Na maioria das vezes, é um indivíduo que teve um AVC ou um trauma craniencefálico, que evoluiu para morte encefálica. Em ambos os casos, trata-se de um indivíduo que até aquele momento estava se sentindo bem e, por isso, será atendido nos serviços de emergência. Então, na medida em que os serviços de emergência têm problemas graves de atendimento que não superam, a possibilidade de efetivar transplantes também fica limitada, pois ficam prejudicados o processo de diagnóstico de morte encefálica e a manutenção dos potenciais doadores. É indispensável haver, além de informação, a profissionalização do sistema de captação de órgãos em parceria com os estados e uma política local de doações. Sem dúvida, esses são os três pilares para que a questão seja desenvolvida com sustentabilidade e melhora progressiva.
Site DV — Ações em nível local são importantes nessa questão, portanto.
Ben-Hur Ferraz Neto – É preciso formar profissionais que possam trabalhar em todos os lugares e sobreviver dessa profissão em qualquer região do País. Precisamos evoluir dos bons números pontuais para um quadro que contemple melhor distribuição de órgãos doados e melhor acesso ao transplante no País como um todo. Não adianta um indivíduo da Região Norte precisar de um transplante de fígado e só poder fazer na Região Sudeste. Por ser um brasileiro como outro qualquer, ele tem o direito de ser transplantado em qualquer estado. Entretanto, o acesso fora do estado de origem é mais complexo.
Site DV – A troca de órgãos entre estados é uma saída para ajudar a diminuir as disparidades entre as regiões?
Ben-Hur Ferraz Neto – A princípio, os órgãos captados em um determinado estado são disponibilizados para os receptores que estão na lista daquele estado. É uma forma absolutamente lógica de otimizar a qualidade. Transplantar um fígado que ficou 16 horas no gelo é pior que transplantar um que ficou oito. Além disso, esse sistema cria certo estímulo local. Na medida em que os órgãos ficam na sua própria região, existe uma tendência de que esse trabalho seja reconhecido naquela área.
Todavia, existe um sistema previamente estabelecido para a troca entre regiões. Caso um órgão seja captado em um determinado estado que não tem aquele tipo de transplante ou que não tenha, naquele momento, nenhum receptor compatível, a Secretaria de Saúde do local, por meio da sua Central de Transplantes, entra em contato com a Central Nacional, que fica em Brasília. A Central Nacional, então, redistribui esse órgão mediante alguns critérios também previamente estabelecidos. Um deles é a malha aérea disponível. Por isso, não adianta definir que um órgão de São Paulo vá para o Acre, se não há transporte que faça o trajeto em tempo viável. Depois da disponibilidade aérea, vêm os critérios de gravidade, compatibilidade, etc., o que torna o acesso ainda mais difícil.
Site DV – O Ceará é um dos estados que figura entre os primeiros colocados na efetivação de transplantes de vários órgãos, apesar de o Nordeste como um todo não apresentar números tão bons. Gostaria que o senhor explicasse a experiência desse estado.
Ben-Hur Ferraz Neto – Existe a necessidade de um interesse local no desenvolvimento de qualquer tipo de novidade ou progresso. O estado do Ceará criou uma política estadual de transplantes. Não uma política de ganhar votos, mas uma política de ação. Simplesmente foi colocada, entre as prioridades, a política de transplantes, que consiste em investir na formação de um grupo para fazer o trabalho de captação de órgãos. Para tanto, foram formados profissionais e feitas contratações de pessoal. A atual coordenadora estadual do Ceará (Dra. Eliana Régia Barbosa de Almeida) é uma das pessoas que têm atividade muito forte na formação de equipes ao redor do Brasil via ABTO. O sucesso dessa política, portanto, é fruto de um trabalho contínuo que obviamente requer um investimento inicial. Hoje, a equipe transplantadora de fígado do Ceará é uma das melhores do nosso País.
Site DV – Pelo RTB do primeiro trimestre de 2011, percebemos certa apreensão com o número de doações, que até aquele momento estavam abaixo das expectativas. Já no RTB do primeiro semestre, ficou evidente uma inversão quase completa desse quadro. O ritmo de doações e transplantes é flutuante de forma aleatória ou existe algo que explique esse movimento em tempo tão curto?
Ben-Hur Ferraz Neto – Existe uma sazonalidade no que diz respeito à doação, mas nesse caso específico da diferença do primeiro trimestre para o primeiro semestre de 2011, na minha avaliação, pesou outro fator importante, as eleições estaduais. Todas as Centrais de Transplante são órgãos oficiais das Secretarias de Estado da Saúde. Como houve grande mudança nos governos e, consequentemente, a substituição do secretariado, tenho conhecimento de que algumas secretarias suspenderam os investimentos até que o novo secretário tomasse pé da realidade daquele local.
Por isso, algumas secretarias que tinham na sua programação contratar mais pessoas, não o fizeram, e algumas até deixaram de renovar contratos que eram emergenciais. Isso deve ter acarretado um decréscimo inicial que obviamente foi percebido pelos secretários então empossados e a tendência de queda foi revertida. Mas eu mesmo testemunhei, como presidente da ABTO, no primeiro trimestre de 2011, uma forte preocupação por parte de alguns coordenadores de transplante a respeito das políticas que estavam sendo freadas pelos novos secretários.
Site DV – O impacto de questões políticas no quadro de transplantes, então, é imediato.
Ben-Hur Ferraz Neto – É rápido porque são questões que podem impedir ou não a manutenção de profissionais que trabalham naquela atividade. Bastar cortar o cargo para cortar a ação. Como já dissemos, no Brasil, a doação de órgãos está crescendo, mas se caem os números em São Paulo, Santa Catarina e Ceará, a influência será muito grande, pois esses três estados são os maiores captadores de órgãos do país. Portanto, se tivermos problemas em algumas cidades desses estados – e tivemos –, isso deve ter repercutido nos resultados do começo do ano.
Site DV — Que medidas fora do âmbito político podem ser tomadas para melhorar as estatísticas de doações no Brasil?
Ben-Hur Ferraz Neto – O melhor a fazer é cada um conversar com seus familiares em um momento traqnuilo, sem dor, fora de um contexto de tristeza, sobre a vontade de ser um doador. Como os potenciais doadores são aqueles que no dia anterior ou alguns dias antes de morrer estavam ótimos, conhecer a vontade dessa pessoa pode ser fundamental para a aceitação ou recusa da doação. Se a vontade da pessoa que morreu for desconhecida e aquela família nunca discutiu o assunto, claro que aquela hora de dor é o pior momento para falar sobre este assunto, e a probabilidade de uma negativa será sempre maior. Então, se as pessoas quiserem que seus órgãos sejam doados, a melhor forma de fazê-lo é conversar com seus familiares a respeito de sua vontade e intenção.

domingo, 27 de julho de 2014

Dr. Frankenstein, Doador, SNT

                “Prezado e odiado Dr. Victor Von Frankenstein,
            Venho inocentar-lhe de seus crimes com meu perdão. O ódio e a amargura já não existem mais em meu coração que ora pertenceu a outro e foi vivo, e jazeu dentre os nove infernos de Dante, agora batendo em meu peito cheio de agonia. Meu pai,  meu criador, aquele a quem tanto olhei em um primeiro vislumbre de vida, com córneas que outrora foram azuis em e movidos por muito mais compaixão, tu que me destes a maior de todas as maldições: a vida, e, em nenhum momento sequer, chibateou-me com o zelo do amor paterno. Tu que me desprezaste desde o início e que deu-me um primeiro olhar não de felicidade pelo sucesso, mas de desespero pela falência da sua ganância de gerar vida da morte e ser deus dentre os homens. Persergui-te por anos até os confins do mundo, a fim de estrangular-te com minhas mãos de outrens e encontrar descanço nas ricas selvas sul-americanas. Hoje, encontro descanço contigo em meus braços, morto, inerte, sem alma, tal qual como meu corpo e, assim, finalmente, encontro semelhaça em alguém.
            Atenciosamente,
            Seu filho e Criatura.”

A carta acima ilustra os sentimentos da “Criatura” do Dr. Victor Von Frankenstein, personagem do romance O Moderno Prometeu de Mary Shelley, no qual um cientista, estudioso das ciências naturais descobre o segredo da criação da vida e cria um ser a partir de inúmeras partes de mortos e o dá a vida por meio de uma descarga elétrica numa noite de tempestade. O sonho de criar vida, por anos inatingível, atormentou filósofos e alquimistas, que ao constatarem seu insucesso o passaram como herança aos cientistas modernos. Hoje, não podemos dar a vida a um ser como a criatura de Frankenstein, mas podemos dar uma nova chance para que as partes de pessoas mortas venham viver em outras, é o que chamamos de Transplante de órgãos. A História do transplante, na verdade, data deste à antiguidade, nela cirurgiões hindus e cirurgiões da antiga Alexandria já trabalhavam fazendo enxertos e pequenos transplantes de pele em ferimentos extensos. No início do século XX, cientistas já trabalhavam com as possibilidades de transplantes em animais, franceses conseguiram transplantar o coração de um cachorro para o outros e fazê-lo permanecer vivo durante uma hora, os russos forma mais além e com seus bizarros experimentos implantaram a cabeça de um cachorro no corpo de outro, todos esses experimentos culminaram para que em 1967 o sul-americano James Hardy transplantasse com sucesso um coração em um homem com 54 anos de idade com arteriosclerose coronária avançada.
Deivido aos seu ao custo, a extrema necessidade de organização e o extenso debate ético envolvido no transplante de órgão em seres humanos, apenas o SUS, um braço do Estado na área da Saúde, pode mediá-lo e realizá-lo. Por meio do SNT (Sistema Nacional de Transplante) todos os doadores são cadastrados e elencados em um ranking extremamente mutável e flexível, já que o primeiro lugar, não necessariamente será o primeiro a receber o órgão, mas sim àquele que tem mais urgência em recebe-lo. Assim, todo aquele que quiser ser doador de orgão deve deixar sua vontade clara para a família, pois essa é detentora dos direitos sobre o cadáver e somente ela poderá decidir sobre o destino dele.
Então, quando o indivíduo encontra-se em estado de morte encefálica, com causa conhecida, o médico deve executar dois exames clínicos e um exame complementar a fim de atestar que não há qualquer atividade elétrica ou metabólica no cérebro do indivíduo. Por exemplo, exames de gasometria, angiografia cerebral, dentre outros. Após isso, são feitos testes de Sorologia para Chagas, Anti-HBc, HbsAg, Anti-HCV, VDRL-Sífilis, Toxoplasmose e Citomegalovírus, procura-se também identificar se o indivíduo era usuário de drogas. Outros testes e critérios de seleção são específicos para cada órgão e estarão disponíveis no link postado ao final do texto.
Após isso, o SNT é informado sobre disponibilidade e procura rastrear o receptor que mais se adequa ao órgão dentro da rede estadual e, posteriormente, dentro da macroregião em que se encontra o doador.
Quanto ao receptor do órgão, trataremos no próximo texto, aprofundando ainda mais sobre os transplantes de órgãos realizados pelo SUS.


Critérios de seleção para os mais diversos órgãos: http://aplicacao.saude.gov.br/saude/transplante/home/Destaques/criterios-selecao

domingo, 20 de julho de 2014

Hidra de Lerna, CACON, UNACON

                Hércules adentrava velozmente os pântanos de Lerna, como se, após passar o pântano, fosse chegar aos campos elísios, lá Megara e seus dois filhos lhe aguardariam. O peso da pelagem do leão de Neméia, quase que dobrado pelo lamaçal, não era nada perto do peso do sangue filicída em suas mãos. A umidade gelava-lhe os ossos e tornava-se suportável apenas porque já havia experimentado a frieza do desprezo de Hera.

Ali estava ela, retorcida sobre si mesma tantas vezes que mais parecia uma orgia de serpentes, suas cabeças emergiam em meio às escamas, famintas, sedentas. Hércules avançou com ferocidade, a cada cabeça cortada, duas nasciam no lugar. Como um câncer, as cabeças da hidra se mutiplicavam e o segundo trabalho de hércules tornava-se mais árduo. Engenhosamente, Hércules estancou o corte das cabeças da hidra com um toco ardente e a oitava cabeça, dita imortal, Hércules encerrou para sempre debaixo de uma pedra.
Do mesmo jeito que Hércules prevaleceu sobre a fera de Lerna, o SUS vem prevalecendo sobre o câncer. Costumamos a dizer nas converas de mesa de bar, que o sistema de saúde brasileiro implode sobre si mesmo, não funciona e que está fadado ao fracasso. Claro que essas acusações vem  da nossa indignação com a política, com o sistema ou com a lógica social do Estado brasileiro. Porém, quem emite esse tipo de opinião sobre o SUS desconhece ou desconsidera seu serviço de Atendimento Oncológico. Pertencente à Atenção Especializada de Alta Complexidade, esse atendimento custou aos cofres públicos um gasto de R$ 2,4 bilhões de reais só em 2012, isso sem contar o investimento advindo do capital privado que possui parceria com a rede pública nos grandes centros de tratamento para o câncer.
O câncer não é uma doença, mas um conjunto de doenças que partilham da mesma origem: um conjunto de células que se mutiplicam perigosamente como as cabeças da Hidra de Lerna, e que podem acometer orgãos diferentes, provindo disso a sua variedade de sintomas. Por essa inespecificidade, o câncer exige atenção específica.
 Como o paciente como suspeita de câncer procederia dentro do Sistema Único? Primeiramente, ao ter uma suspeita de câncer, ele deve se dirigir à Rede Básica, lá serão feitos os primeiros testes. O médico, atuando como generalista, fará a anamnese do paciente e pedirá exames complementares e encaminhará o paciente para um CACON ou para um UNACON com seu histórico e exames feitos que confirmam a suspeita anexados. CACONs (Centros de Referência de Alta Complexidade Oncológica) e UNACONs (Unidades de Atendimento de Alta Complexidade Oncológica), que diferem apenas quanto a presença obrigatória de unidades radioterápicas (os UNACONs não são obrigados a possuir os CACONs sim), recebem o paciente e confirmam a suspeita do médico da unidade básica ou aprofundam o diagnóstico dele com exames imagiológicos mais avançado e com exames imunohistoquímicos, e é nesse ponto que reside uma das fragilidades do Atendimento Oncológico da Rede Pública: quase 80% dos especialistas reclamam da demora excessiva desses exames.
Após a realização de um diagnóstico aprofundado de câncer, a mágica do Atendimento Oncológico do SUS acontece. Aqui, o financiamento do tratamento não tem foco no remédio, mas sim no paciente. Como isso ocorre? Bem, a conduta utilizada para o tratamento no SUS não é exposta de maneira geral em sua gênese jurídica, mas é destrinchada em diversas portarias emitidas pelo Ministério da Saúde que dissertam sobre as categorias específicas de câncer. Contudo, podemos dizer que essas portarias abordarão o tratamento sob uma ótica geral, pois o tratamento para câncer é específico para o paciente e requerido pelo médico que o atendeu e o acompanhou, assim é levado em consideração localização, grau de extensão e tipo celular do tumor, por isso dizemos que o assunto deixa de ser o remédio, para ser o paciente.
Por último, o paciente é encaminhado para esmagar seu câncer debaixo de uma pedra. Os CACONs e os UNACONs oferecerão atendimento especializado e de alta complexidade, com clínicos, cirurgiões, UTIs e atendimento psicológico. Além disso, nesses centros o paciente poderá realizar sua quimioterapia ou radioterapia, dependendo da necessidade. Essas terapia ainda podem ser realizados nos QTs e RTs, serviços localizados de quimioterapia e radioterapia, respectivamente.

Hoje, estima-se que o câncer pode ser curado em 60% dos casos, contudo o espectro de dores insuportáveis, mutilação, dor e morte, ainda continua assombrando. A principal chance cura reside na prevenção e na detecção precoce, dessas boa parte pode ser feita por exames meramente físicos ou por exames laboratorias como a contagem de proteínas marcadoras, um importante aliado.

sábado, 12 de julho de 2014

Câncer, Hércules, câncer de boca

                Conta-se que há muito tempo, lá para as bandas do Peloponeso, um homem extremamente atormentado pela chacina de sua mulher e filhos, encontrou em 12 trabalhos uma forma de purificar sua alma, uma espécie de segunda chance. Em seu segundo trabalho, enquanto cortava e queimava as cabeças da Hidra de Lerna, teve como empecilho um enorme carangueijo, que advindo das águas barrentas do pântano local procurou distraí-lo. Com somente uma pisada, esmagou o carangueijo e deu fim à toda sua bravura. Comovida, Hera, mulher de Zeus, viu no ato do carangueijo um ato louvável e eternizou-o no céu como a constelação de câncer. Ainda hoje, câncer torna-se um empecilho para muitos homens como Hércules; porém, bem como Hércules contava com Jolau, esses homens, contam com o SUS como ajudantes nessa batalha contra a Hydra de Lerna e o Câncer.

                São um total de 277 serviços que oferecem atendimento oncológico pelo SUS e já que o serviço oncológico dispende de grandes gastos, integram a Atenção Terciária ou de Alta Complexidade. Ao contrário do que acontece com Hércules, não necessariamente câncer precisa nos pegar de surpresa, há uma série de condutas que o médico deve tomar ao identificar o câncer que será mister em seu tratamento. Em seu Manual e Ações de Controle e Combate ao Câncer, o INCA (Instituto Nacional do Câncer) estabelece que o médico deve fazer o diagnóstico de câncer por meio de história clínica, exame clínico e exames complementares, que vão desde exames imagiológicos com ou sem visualização direta do local, até os exames bioquímicos, como aqueles que buscam por marcadores de proteínas. Por exemplo, em caso de o paciente com mais de 50 anos de idade, ir ao médico relatando disfunção erétil, dificuldade ao urinar isso induzirá em um bom médico uma suspeita de câncer de Próstata, o que levará ele a realizar o exame físico, o toque retal, e ao verificar alterações na prostata (a textura da prostata deve ser semelhante a da ponta do nariz), o médico deverá pedir um exame laboratorial para a confirmação do diagnóstico como o PSA ( Antígeno Prostático Específico), este em auxílio com biopsia do orgão poderá indicar a gravidade do tumor. Vejamos o seguinte caso clínico:
                Paulo Lira Cardoso, 50 anos, lavrador e procedente da Zona Rural do Piauí, encaminhou-se direto para uma UPA (Unidade de Pronto-Atendimento), integrante da Média Complexidade do SUS, relatou dificuldade de ingerir alimentos, pois “a língua não ajuda”, notou um aumento na salivação e um leve emagrecimento nos últimos meses. Há dois meses, ao se barbear notou um nódulo cervical indolor no lado direito. Não possui antecedentes pessoais e familiares relevantes para o caso, mas em seus hábitos de vida vale ressaltar que é tabagista desde os 15 anos e etilista desde os 20, ingerindo meio litro de cachaça diariamente – Esse foi o colhimento de histórico do paciente, agora vamos para o segundo passo, o exame físico – Pressão arterial, temperatura corporal, frequência cardíaca normais, rinoscopia, otoscopia e laringoscopia normais, os membros encontravam-se sem edemas, era possível palpar-se os linfonodos inguinais, e um linfonodo submandibular com consistência endurecida, na boca havia uma lesão que media aproximadamente 3cm. Então foi-se pedido os exames complementares para chegar-se à conduta de tratamento – o terceiro passo – foi pedido o hemograma completo, que encontrava-se alterado e com indicativo de anemia, a glicemia, que encontrava-se normal, o proteinograma, que encontrava-se com indicativo de Hipoproteinemia, todos exames de média complexidade e realizados no próprio local em que Paulo foi atendido. Provavelmente, a anemia e a hipoproteinemia eram consequências da carência nos hábitos alimentares. Ao verificar-se o tumor por meio do exame histopatológico, Paulo foi encaminhado ao serviço de Alta complexidade, onde retirou a metade direita da língua. O paciente ainda permanecerá em acompanhamento, realizando exames, como o indicador de marcadores de tumor celular, para verificar se foi feita ou não a erradicação completa do câncer. Certamente, também contará com o auxílio de um fonaudiólogo, um fisioterapeuta e um psicólogo, tudo pelo SUS.

                                No próximo post, finalizaremos nossas postagens sobre câncer finalizando a história de Hércules e falando um pouco da infraestrutura necessária para o tratamento contra o câncer, da logística envolvida e mais casos clínicos.