quarta-feira, 18 de junho de 2014

"Onde dói?", "Então, o que se passa?", "Me conte o que está acontecendo!"



Um indivíduo estava a plantar numa manhã em seu terreno, quando sucedeu-lhe uma dor nas costas, diante da perspectiva de ficar sem o que comer e de levar umas boas bordoadas da esposa, arrastou-se fazendo caretas, mas suportando-se em pé, e foi até o curandeiro da aldeia. Este rebateu-lhe: “onde dói?”,” “dói nos lombos!”. 15 minutos de maceração de folhas e um gole que desceu mais amargo do que o ensopado de carneiro da primeira filha, e o individuo arrastou-se somente até chegar em casa, quando melhorou de tal forma que já podia pular como um homem novo. Naquele dia, a esposa não deu-lhe bordoadas, pelo contrário. No segundo dia, a dor voltou. No terceiro, ela permaneceu. No quarto, o curandeiro não se aguentou e atirou-lhe mais perguntas a respeito da sua dor do que a mulher atirava-lhe seus xingamentos mensais. Assim, nasceu a anamnese.


                Obviamente, a história acima é meramente ilustrativa, e nela contém tão pouca verdade quanto em um diagnóstico dado por uma consulta sem a realização da Anamnese. Anamnese, vem do grego, quer dizer ‘trazer a memória a tona’. Ou seja, o médico vai fazer com que o paciente se lembre de seu histórico e repasse a ele, a fim de que ele possa estabelecer uma relação de causa e efeito com a patologia que o acomete. Por muito tempo, o médico perguntava apenas: “Onde dói?” e limitava sua ação ao tratamento daquela dor. Hoje, com o avanço da ideia de que o exame clínico é responsável por 70-80% do diagnóstico, o médico já pergunta “Então, o que se passa?” ou “Me conte o que está acontecendo!”, entendendo que os males que acometem os pacientes podem ir além de meras dores. Porém, a anamnese nunca deve andar sozinha, afinal, se ela é a responsável por 80% do diagnósticos, no melhor dos casos, onde se encontram os outros 20%? Simples, 15% correspondem ao exame físico, feito pelo médico: aferir pressão, auscultar o coração, perscussão do corpo, entre outros procedimentos, e 5% correspondem aos exames laboratoriais e imagiológicos.
                Se correspondem a tão pouca parte do diagnóstico, porque o sistema público paga um preço relativamente alto, que determinados exames cobram, para obter-se o diagnóstico? 5% ainda é uma porcentagem relativamente alta quando se trata da saúde humana. Além disso, esses 5% correspondem apenas a certeza NECESSÁRIA que o médico quer obter quando ele fecha 95% do diagnóstico, mas tem que descartar qualquer hipótese mais rara ou confirmar determinados diagnósticos que só podem ser confirmados com um exame laboratorial, como por exemplo lúpus, doença de Chagas, leucemia, câncer de colo do útero, doença de Addison ou mesmo a Dengue.
                Esses 5% podem corresponder, ainda, ao ponto de partida para o diagnóstico. Como assim? Imagine um recém-nascido, o médico não pode praticar uma anamnese com ele, somente com a mãe, e, mesmo obtendo o histórico da mãe, não é possível saber se o recém-nascido está sentindo algo. Com o exame físico, o médico apenas pode detectar alterações palpáveis e auscultáveis, assim, é pedido o teste do pezinho, gratuito pelo SUS e parte essencial no acompanhamento da saúde do bebê, a partir dele, pode se obter certos diagnósticos que orientarão a conduta do médico dali em diante.

                No próximo post, esclareceremos como é feito o teste do pezinho e os demais diagnósticos das doenças citadas no texto,  correlacionando com o Sistema Único de Saúde.

7 comentários:

  1. Muitas doenças possuem sintomas parecidos que podem levar a um tratamento incorreto. Existem sintomas parkinsonianos, por exemplo, que também aparecem em pacientes com outras doenças neurológicas, tais como a doença de Wilson, de Huntington, de Alzheimer e de Creutzfeldt-Jakob. Na dúvida entre dois ou mais diagnósticos, os exames laboratoriais são uma arma a mais para sanar essas incertezas ou comprovar uma hipótese. Logo, sua importância no diagnóstico, mesmo que represente apenas 5% dele.

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  2. Através da anamnese é possível conhecer o paciente, estabelecer vínculos de confiança, identificar alterações biológicas, psicológicas e sociais. A partir dessa primeira análise podemos traçar um histórico, prognóstico e até mesmo diagnóstico, passos fundamentais para a recuperação do paciente.

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  3. Os exames apesar de, como dito no post, serem responsáveis por 5% do diagnóstico, são fundamentais em vários casos clínicos, principalmente em unidades de saúde e média e alta complexidade. No entanto, percebe-se que há um excesso na prescrição de exames em detrimento da anamnese e do exame físico por conta do excesso de pacientes atendidos numa única unidade de saúde, contribuindo para o atual colapso para parte laboratorial do SUS.

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  4. Muito interessante o assunto abordado. Fez-me questionar algo muito importante para nós, futuros médicos, a anamnese é, apenas, uma entrevista? A anamnese constitui o passo inicial da consulta médica e, nela, está incluída o exame físico. Ela é previamente esquematizada, ou seja, segue-se um roteiro. Por isso ser importante para determinar o diagnóstico, sendo os exames bioquímicos e de imagem, apenas, apoio para confirmação da suspeita. Já o teste do pezinho, é uma ação preventiva que permite fazer o diagnóstico de diversas doenças congênitas ou infecciosas, assintomáticas no período neonatal, a tempo de se interferir no curso da doença, permitindo, desta forma, a instituição do tratamento precoce específico e a diminuição ou eliminação das sequelas associadas a cada uma dessas doenças. Toda criança nascida em território nacional tem o direito de realizá-lo independente da solicitação médica.

    fonte: http://www.einstein.br/einstein-saude/gravidez-e-bebe/Paginas/teste-do-pezinho.aspx

    xa.yimg.com/kq/groups/21569000/1954004120/.../História+Clínica.pdf

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  5. Como foi falado no post, o exercício da clínica médica deve se basear na anamnese do paciente, que envolve o seu histórico, mais o exame físico. Caso isso não seja suficiente para o médico diagnosticar o paciente, ele formula algumas hipóteses de diagnóstico e solicita exames para confirmar uma dessas hipóteses. Como hoje essa pratica (anamnese),está um pouco esquecida dentre clínicos e médicos, exames laboratoriais têm sido requisitados desnecessariamente para confirmar hipóteses de diagnósticos, gerando custos elevados ao sistema público de saúde.

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  6. O que nos vemos hoje são médicos que passam um turbilhão de exames. A anamnese está sendo deixada hoje em dia. Como o texto afirma o exame clínico é responsável por cerca de 70%- 80% do diagnóstico do paciente. Ou seja, o médicos devem utilizar mais a anmnese.

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  7. Muito interessante a história das bordoadas da esposa. Parece então que a anamnese dói mais que as bordoadas dela. Sempre defendo a idéia da vinculação. Quanto mais os médicos se vincularem, menos dolorido vai ficar a anamnese, pq ela será feita no cotidiano do relacionamento entre o médico o paciente. O quadro que o médico terá em mão será muito mais completo assim. Quando as Equipes de Atenção Básica se tornam estáveis e constantes em um território, esse processo flui de forma muito mais integral.
    Abraços.

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