terça-feira, 5 de agosto de 2014

Entrevista com o presidente da ABTO

Entrevista com Ben-Hur Ferraz, presidente da associação brasileira de transplante de órgãos para o site Dráuzio Varella

Site DV – Por esse novo método, não temos dados de alguns estados. Mesmo assim, pelo que se sabe, o número de negativas familiares no Brasil é considerado aceitável?
Ben-Hur Ferraz Neto – De forma geral, entre os países melhores colocados no que se refere a doações de órgãos, a cada quatro famílias, uma nega a permissão. Entre os piores, a cada quatro famílias, duas negam. Nós estimamos não estar longe disso. Pelo grau de educação e de informação do nosso povo, podemos concluir que o brasileiro aceita bem o processo de doação.
Site DV – Qual é o quadro atual de transplantes efetivados no Brasil?
Ben-Hur Ferraz Neto – Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo a realizar transplantes de órgãos (6402 em 2010, sem contar células e tecidos); fica atrás apenas dos Estados Unidos. Mesmo assim, esse é um número muito pequeno, se considerado o tamanho de sua população. Além disso, infelizmente, existem discrepâncias muito grandes entre os estados. Nós deveríamos ter de 20 a 25 doadores de fígado pmp (por milhão de população), por exemplo, mas temos ao redor de oito. Só que em São Paulo, esse número chega a 16. No Ceará, alcança 18. São números bem próximos da demanda local e até acima de muitos países desenvolvidos. Por outro lado, as regiões Norte e Centro-oeste sequer têm equipes de transplante de fígado. Apesar disso, pode-se dizer que o País está no caminho certo.
Site DV – O que leva a essa conclusão?
Ben-Hur Ferraz Neto – A organização do sistema, do ponto de vista de transparência e de credibilidade, amadureceu. Hoje, apesar de todos os problemas que o Brasil enfrenta, as pessoas estão convencidas de que ninguém consegue passar na frente de ninguém, nem por questões econômicas nem políticas. E não consegue, mesmo. No primeiro semestre de 2011, já registramos mais de dez doadores pmp, um recorde histórico. Em estados como Santa Catarina, São Paulo, Ceará, Rio Grande do Norte, os números têm aumentado progressivamente. São Paulo e Santa Catarina, por exemplo, têm índices muito superiores à média dos Estados Unidos e da Europa. Mas precisa haver investimento, vontade política e ações baseadas em um programa estruturado. Não adianta sair por aí fazendo o que se “acha” que vai resolver a questão.
Site DV – Que medidas precisam ser tomadas para melhorar o número de doações e transplantes realizados no País?
A Saúde Pública como um todo tem que melhorar para que possamos melhorar também a captação de órgãos. Quem é o potencial doador? Na maioria das vezes, é um indivíduo que teve um AVC ou um trauma craniencefálico, que evoluiu para morte encefálica. Em ambos os casos, trata-se de um indivíduo que até aquele momento estava se sentindo bem e, por isso, será atendido nos serviços de emergência. Então, na medida em que os serviços de emergência têm problemas graves de atendimento que não superam, a possibilidade de efetivar transplantes também fica limitada, pois ficam prejudicados o processo de diagnóstico de morte encefálica e a manutenção dos potenciais doadores. É indispensável haver, além de informação, a profissionalização do sistema de captação de órgãos em parceria com os estados e uma política local de doações. Sem dúvida, esses são os três pilares para que a questão seja desenvolvida com sustentabilidade e melhora progressiva.
Site DV — Ações em nível local são importantes nessa questão, portanto.
Ben-Hur Ferraz Neto – É preciso formar profissionais que possam trabalhar em todos os lugares e sobreviver dessa profissão em qualquer região do País. Precisamos evoluir dos bons números pontuais para um quadro que contemple melhor distribuição de órgãos doados e melhor acesso ao transplante no País como um todo. Não adianta um indivíduo da Região Norte precisar de um transplante de fígado e só poder fazer na Região Sudeste. Por ser um brasileiro como outro qualquer, ele tem o direito de ser transplantado em qualquer estado. Entretanto, o acesso fora do estado de origem é mais complexo.
Site DV – A troca de órgãos entre estados é uma saída para ajudar a diminuir as disparidades entre as regiões?
Ben-Hur Ferraz Neto – A princípio, os órgãos captados em um determinado estado são disponibilizados para os receptores que estão na lista daquele estado. É uma forma absolutamente lógica de otimizar a qualidade. Transplantar um fígado que ficou 16 horas no gelo é pior que transplantar um que ficou oito. Além disso, esse sistema cria certo estímulo local. Na medida em que os órgãos ficam na sua própria região, existe uma tendência de que esse trabalho seja reconhecido naquela área.
Todavia, existe um sistema previamente estabelecido para a troca entre regiões. Caso um órgão seja captado em um determinado estado que não tem aquele tipo de transplante ou que não tenha, naquele momento, nenhum receptor compatível, a Secretaria de Saúde do local, por meio da sua Central de Transplantes, entra em contato com a Central Nacional, que fica em Brasília. A Central Nacional, então, redistribui esse órgão mediante alguns critérios também previamente estabelecidos. Um deles é a malha aérea disponível. Por isso, não adianta definir que um órgão de São Paulo vá para o Acre, se não há transporte que faça o trajeto em tempo viável. Depois da disponibilidade aérea, vêm os critérios de gravidade, compatibilidade, etc., o que torna o acesso ainda mais difícil.
Site DV – O Ceará é um dos estados que figura entre os primeiros colocados na efetivação de transplantes de vários órgãos, apesar de o Nordeste como um todo não apresentar números tão bons. Gostaria que o senhor explicasse a experiência desse estado.
Ben-Hur Ferraz Neto – Existe a necessidade de um interesse local no desenvolvimento de qualquer tipo de novidade ou progresso. O estado do Ceará criou uma política estadual de transplantes. Não uma política de ganhar votos, mas uma política de ação. Simplesmente foi colocada, entre as prioridades, a política de transplantes, que consiste em investir na formação de um grupo para fazer o trabalho de captação de órgãos. Para tanto, foram formados profissionais e feitas contratações de pessoal. A atual coordenadora estadual do Ceará (Dra. Eliana Régia Barbosa de Almeida) é uma das pessoas que têm atividade muito forte na formação de equipes ao redor do Brasil via ABTO. O sucesso dessa política, portanto, é fruto de um trabalho contínuo que obviamente requer um investimento inicial. Hoje, a equipe transplantadora de fígado do Ceará é uma das melhores do nosso País.
Site DV – Pelo RTB do primeiro trimestre de 2011, percebemos certa apreensão com o número de doações, que até aquele momento estavam abaixo das expectativas. Já no RTB do primeiro semestre, ficou evidente uma inversão quase completa desse quadro. O ritmo de doações e transplantes é flutuante de forma aleatória ou existe algo que explique esse movimento em tempo tão curto?
Ben-Hur Ferraz Neto – Existe uma sazonalidade no que diz respeito à doação, mas nesse caso específico da diferença do primeiro trimestre para o primeiro semestre de 2011, na minha avaliação, pesou outro fator importante, as eleições estaduais. Todas as Centrais de Transplante são órgãos oficiais das Secretarias de Estado da Saúde. Como houve grande mudança nos governos e, consequentemente, a substituição do secretariado, tenho conhecimento de que algumas secretarias suspenderam os investimentos até que o novo secretário tomasse pé da realidade daquele local.
Por isso, algumas secretarias que tinham na sua programação contratar mais pessoas, não o fizeram, e algumas até deixaram de renovar contratos que eram emergenciais. Isso deve ter acarretado um decréscimo inicial que obviamente foi percebido pelos secretários então empossados e a tendência de queda foi revertida. Mas eu mesmo testemunhei, como presidente da ABTO, no primeiro trimestre de 2011, uma forte preocupação por parte de alguns coordenadores de transplante a respeito das políticas que estavam sendo freadas pelos novos secretários.
Site DV – O impacto de questões políticas no quadro de transplantes, então, é imediato.
Ben-Hur Ferraz Neto – É rápido porque são questões que podem impedir ou não a manutenção de profissionais que trabalham naquela atividade. Bastar cortar o cargo para cortar a ação. Como já dissemos, no Brasil, a doação de órgãos está crescendo, mas se caem os números em São Paulo, Santa Catarina e Ceará, a influência será muito grande, pois esses três estados são os maiores captadores de órgãos do país. Portanto, se tivermos problemas em algumas cidades desses estados – e tivemos –, isso deve ter repercutido nos resultados do começo do ano.
Site DV — Que medidas fora do âmbito político podem ser tomadas para melhorar as estatísticas de doações no Brasil?
Ben-Hur Ferraz Neto – O melhor a fazer é cada um conversar com seus familiares em um momento traqnuilo, sem dor, fora de um contexto de tristeza, sobre a vontade de ser um doador. Como os potenciais doadores são aqueles que no dia anterior ou alguns dias antes de morrer estavam ótimos, conhecer a vontade dessa pessoa pode ser fundamental para a aceitação ou recusa da doação. Se a vontade da pessoa que morreu for desconhecida e aquela família nunca discutiu o assunto, claro que aquela hora de dor é o pior momento para falar sobre este assunto, e a probabilidade de uma negativa será sempre maior. Então, se as pessoas quiserem que seus órgãos sejam doados, a melhor forma de fazê-lo é conversar com seus familiares a respeito de sua vontade e intenção.

domingo, 27 de julho de 2014

Dr. Frankenstein, Doador, SNT

                “Prezado e odiado Dr. Victor Von Frankenstein,
            Venho inocentar-lhe de seus crimes com meu perdão. O ódio e a amargura já não existem mais em meu coração que ora pertenceu a outro e foi vivo, e jazeu dentre os nove infernos de Dante, agora batendo em meu peito cheio de agonia. Meu pai,  meu criador, aquele a quem tanto olhei em um primeiro vislumbre de vida, com córneas que outrora foram azuis em e movidos por muito mais compaixão, tu que me destes a maior de todas as maldições: a vida, e, em nenhum momento sequer, chibateou-me com o zelo do amor paterno. Tu que me desprezaste desde o início e que deu-me um primeiro olhar não de felicidade pelo sucesso, mas de desespero pela falência da sua ganância de gerar vida da morte e ser deus dentre os homens. Persergui-te por anos até os confins do mundo, a fim de estrangular-te com minhas mãos de outrens e encontrar descanço nas ricas selvas sul-americanas. Hoje, encontro descanço contigo em meus braços, morto, inerte, sem alma, tal qual como meu corpo e, assim, finalmente, encontro semelhaça em alguém.
            Atenciosamente,
            Seu filho e Criatura.”

A carta acima ilustra os sentimentos da “Criatura” do Dr. Victor Von Frankenstein, personagem do romance O Moderno Prometeu de Mary Shelley, no qual um cientista, estudioso das ciências naturais descobre o segredo da criação da vida e cria um ser a partir de inúmeras partes de mortos e o dá a vida por meio de uma descarga elétrica numa noite de tempestade. O sonho de criar vida, por anos inatingível, atormentou filósofos e alquimistas, que ao constatarem seu insucesso o passaram como herança aos cientistas modernos. Hoje, não podemos dar a vida a um ser como a criatura de Frankenstein, mas podemos dar uma nova chance para que as partes de pessoas mortas venham viver em outras, é o que chamamos de Transplante de órgãos. A História do transplante, na verdade, data deste à antiguidade, nela cirurgiões hindus e cirurgiões da antiga Alexandria já trabalhavam fazendo enxertos e pequenos transplantes de pele em ferimentos extensos. No início do século XX, cientistas já trabalhavam com as possibilidades de transplantes em animais, franceses conseguiram transplantar o coração de um cachorro para o outros e fazê-lo permanecer vivo durante uma hora, os russos forma mais além e com seus bizarros experimentos implantaram a cabeça de um cachorro no corpo de outro, todos esses experimentos culminaram para que em 1967 o sul-americano James Hardy transplantasse com sucesso um coração em um homem com 54 anos de idade com arteriosclerose coronária avançada.
Deivido aos seu ao custo, a extrema necessidade de organização e o extenso debate ético envolvido no transplante de órgão em seres humanos, apenas o SUS, um braço do Estado na área da Saúde, pode mediá-lo e realizá-lo. Por meio do SNT (Sistema Nacional de Transplante) todos os doadores são cadastrados e elencados em um ranking extremamente mutável e flexível, já que o primeiro lugar, não necessariamente será o primeiro a receber o órgão, mas sim àquele que tem mais urgência em recebe-lo. Assim, todo aquele que quiser ser doador de orgão deve deixar sua vontade clara para a família, pois essa é detentora dos direitos sobre o cadáver e somente ela poderá decidir sobre o destino dele.
Então, quando o indivíduo encontra-se em estado de morte encefálica, com causa conhecida, o médico deve executar dois exames clínicos e um exame complementar a fim de atestar que não há qualquer atividade elétrica ou metabólica no cérebro do indivíduo. Por exemplo, exames de gasometria, angiografia cerebral, dentre outros. Após isso, são feitos testes de Sorologia para Chagas, Anti-HBc, HbsAg, Anti-HCV, VDRL-Sífilis, Toxoplasmose e Citomegalovírus, procura-se também identificar se o indivíduo era usuário de drogas. Outros testes e critérios de seleção são específicos para cada órgão e estarão disponíveis no link postado ao final do texto.
Após isso, o SNT é informado sobre disponibilidade e procura rastrear o receptor que mais se adequa ao órgão dentro da rede estadual e, posteriormente, dentro da macroregião em que se encontra o doador.
Quanto ao receptor do órgão, trataremos no próximo texto, aprofundando ainda mais sobre os transplantes de órgãos realizados pelo SUS.


Critérios de seleção para os mais diversos órgãos: http://aplicacao.saude.gov.br/saude/transplante/home/Destaques/criterios-selecao

domingo, 20 de julho de 2014

Hidra de Lerna, CACON, UNACON

                Hércules adentrava velozmente os pântanos de Lerna, como se, após passar o pântano, fosse chegar aos campos elísios, lá Megara e seus dois filhos lhe aguardariam. O peso da pelagem do leão de Neméia, quase que dobrado pelo lamaçal, não era nada perto do peso do sangue filicída em suas mãos. A umidade gelava-lhe os ossos e tornava-se suportável apenas porque já havia experimentado a frieza do desprezo de Hera.

Ali estava ela, retorcida sobre si mesma tantas vezes que mais parecia uma orgia de serpentes, suas cabeças emergiam em meio às escamas, famintas, sedentas. Hércules avançou com ferocidade, a cada cabeça cortada, duas nasciam no lugar. Como um câncer, as cabeças da hidra se mutiplicavam e o segundo trabalho de hércules tornava-se mais árduo. Engenhosamente, Hércules estancou o corte das cabeças da hidra com um toco ardente e a oitava cabeça, dita imortal, Hércules encerrou para sempre debaixo de uma pedra.
Do mesmo jeito que Hércules prevaleceu sobre a fera de Lerna, o SUS vem prevalecendo sobre o câncer. Costumamos a dizer nas converas de mesa de bar, que o sistema de saúde brasileiro implode sobre si mesmo, não funciona e que está fadado ao fracasso. Claro que essas acusações vem  da nossa indignação com a política, com o sistema ou com a lógica social do Estado brasileiro. Porém, quem emite esse tipo de opinião sobre o SUS desconhece ou desconsidera seu serviço de Atendimento Oncológico. Pertencente à Atenção Especializada de Alta Complexidade, esse atendimento custou aos cofres públicos um gasto de R$ 2,4 bilhões de reais só em 2012, isso sem contar o investimento advindo do capital privado que possui parceria com a rede pública nos grandes centros de tratamento para o câncer.
O câncer não é uma doença, mas um conjunto de doenças que partilham da mesma origem: um conjunto de células que se mutiplicam perigosamente como as cabeças da Hidra de Lerna, e que podem acometer orgãos diferentes, provindo disso a sua variedade de sintomas. Por essa inespecificidade, o câncer exige atenção específica.
 Como o paciente como suspeita de câncer procederia dentro do Sistema Único? Primeiramente, ao ter uma suspeita de câncer, ele deve se dirigir à Rede Básica, lá serão feitos os primeiros testes. O médico, atuando como generalista, fará a anamnese do paciente e pedirá exames complementares e encaminhará o paciente para um CACON ou para um UNACON com seu histórico e exames feitos que confirmam a suspeita anexados. CACONs (Centros de Referência de Alta Complexidade Oncológica) e UNACONs (Unidades de Atendimento de Alta Complexidade Oncológica), que diferem apenas quanto a presença obrigatória de unidades radioterápicas (os UNACONs não são obrigados a possuir os CACONs sim), recebem o paciente e confirmam a suspeita do médico da unidade básica ou aprofundam o diagnóstico dele com exames imagiológicos mais avançado e com exames imunohistoquímicos, e é nesse ponto que reside uma das fragilidades do Atendimento Oncológico da Rede Pública: quase 80% dos especialistas reclamam da demora excessiva desses exames.
Após a realização de um diagnóstico aprofundado de câncer, a mágica do Atendimento Oncológico do SUS acontece. Aqui, o financiamento do tratamento não tem foco no remédio, mas sim no paciente. Como isso ocorre? Bem, a conduta utilizada para o tratamento no SUS não é exposta de maneira geral em sua gênese jurídica, mas é destrinchada em diversas portarias emitidas pelo Ministério da Saúde que dissertam sobre as categorias específicas de câncer. Contudo, podemos dizer que essas portarias abordarão o tratamento sob uma ótica geral, pois o tratamento para câncer é específico para o paciente e requerido pelo médico que o atendeu e o acompanhou, assim é levado em consideração localização, grau de extensão e tipo celular do tumor, por isso dizemos que o assunto deixa de ser o remédio, para ser o paciente.
Por último, o paciente é encaminhado para esmagar seu câncer debaixo de uma pedra. Os CACONs e os UNACONs oferecerão atendimento especializado e de alta complexidade, com clínicos, cirurgiões, UTIs e atendimento psicológico. Além disso, nesses centros o paciente poderá realizar sua quimioterapia ou radioterapia, dependendo da necessidade. Essas terapia ainda podem ser realizados nos QTs e RTs, serviços localizados de quimioterapia e radioterapia, respectivamente.

Hoje, estima-se que o câncer pode ser curado em 60% dos casos, contudo o espectro de dores insuportáveis, mutilação, dor e morte, ainda continua assombrando. A principal chance cura reside na prevenção e na detecção precoce, dessas boa parte pode ser feita por exames meramente físicos ou por exames laboratorias como a contagem de proteínas marcadoras, um importante aliado.

sábado, 12 de julho de 2014

Câncer, Hércules, câncer de boca

                Conta-se que há muito tempo, lá para as bandas do Peloponeso, um homem extremamente atormentado pela chacina de sua mulher e filhos, encontrou em 12 trabalhos uma forma de purificar sua alma, uma espécie de segunda chance. Em seu segundo trabalho, enquanto cortava e queimava as cabeças da Hidra de Lerna, teve como empecilho um enorme carangueijo, que advindo das águas barrentas do pântano local procurou distraí-lo. Com somente uma pisada, esmagou o carangueijo e deu fim à toda sua bravura. Comovida, Hera, mulher de Zeus, viu no ato do carangueijo um ato louvável e eternizou-o no céu como a constelação de câncer. Ainda hoje, câncer torna-se um empecilho para muitos homens como Hércules; porém, bem como Hércules contava com Jolau, esses homens, contam com o SUS como ajudantes nessa batalha contra a Hydra de Lerna e o Câncer.

                São um total de 277 serviços que oferecem atendimento oncológico pelo SUS e já que o serviço oncológico dispende de grandes gastos, integram a Atenção Terciária ou de Alta Complexidade. Ao contrário do que acontece com Hércules, não necessariamente câncer precisa nos pegar de surpresa, há uma série de condutas que o médico deve tomar ao identificar o câncer que será mister em seu tratamento. Em seu Manual e Ações de Controle e Combate ao Câncer, o INCA (Instituto Nacional do Câncer) estabelece que o médico deve fazer o diagnóstico de câncer por meio de história clínica, exame clínico e exames complementares, que vão desde exames imagiológicos com ou sem visualização direta do local, até os exames bioquímicos, como aqueles que buscam por marcadores de proteínas. Por exemplo, em caso de o paciente com mais de 50 anos de idade, ir ao médico relatando disfunção erétil, dificuldade ao urinar isso induzirá em um bom médico uma suspeita de câncer de Próstata, o que levará ele a realizar o exame físico, o toque retal, e ao verificar alterações na prostata (a textura da prostata deve ser semelhante a da ponta do nariz), o médico deverá pedir um exame laboratorial para a confirmação do diagnóstico como o PSA ( Antígeno Prostático Específico), este em auxílio com biopsia do orgão poderá indicar a gravidade do tumor. Vejamos o seguinte caso clínico:
                Paulo Lira Cardoso, 50 anos, lavrador e procedente da Zona Rural do Piauí, encaminhou-se direto para uma UPA (Unidade de Pronto-Atendimento), integrante da Média Complexidade do SUS, relatou dificuldade de ingerir alimentos, pois “a língua não ajuda”, notou um aumento na salivação e um leve emagrecimento nos últimos meses. Há dois meses, ao se barbear notou um nódulo cervical indolor no lado direito. Não possui antecedentes pessoais e familiares relevantes para o caso, mas em seus hábitos de vida vale ressaltar que é tabagista desde os 15 anos e etilista desde os 20, ingerindo meio litro de cachaça diariamente – Esse foi o colhimento de histórico do paciente, agora vamos para o segundo passo, o exame físico – Pressão arterial, temperatura corporal, frequência cardíaca normais, rinoscopia, otoscopia e laringoscopia normais, os membros encontravam-se sem edemas, era possível palpar-se os linfonodos inguinais, e um linfonodo submandibular com consistência endurecida, na boca havia uma lesão que media aproximadamente 3cm. Então foi-se pedido os exames complementares para chegar-se à conduta de tratamento – o terceiro passo – foi pedido o hemograma completo, que encontrava-se alterado e com indicativo de anemia, a glicemia, que encontrava-se normal, o proteinograma, que encontrava-se com indicativo de Hipoproteinemia, todos exames de média complexidade e realizados no próprio local em que Paulo foi atendido. Provavelmente, a anemia e a hipoproteinemia eram consequências da carência nos hábitos alimentares. Ao verificar-se o tumor por meio do exame histopatológico, Paulo foi encaminhado ao serviço de Alta complexidade, onde retirou a metade direita da língua. O paciente ainda permanecerá em acompanhamento, realizando exames, como o indicador de marcadores de tumor celular, para verificar se foi feita ou não a erradicação completa do câncer. Certamente, também contará com o auxílio de um fonaudiólogo, um fisioterapeuta e um psicólogo, tudo pelo SUS.

                                No próximo post, finalizaremos nossas postagens sobre câncer finalizando a história de Hércules e falando um pouco da infraestrutura necessária para o tratamento contra o câncer, da logística envolvida e mais casos clínicos. 

sábado, 5 de julho de 2014

Câncer. Presépio. Besouro

                Acubens, Altarf, Asserllus Borealis, Asserllus Australis e Tegmine. Esses são os nomes das cinco estrelas da constelação de câncer. Segundo os gregos,  a conformação dessas estrelas assemelha-se a um carangueijo, esse com suas patas assemelha-se a um carcinoma que adentra os tecidos humanos em sua metástase, dái a medicina moderna chamar esse mal de câncer. Ao observamos esse paralelo estabalecido, nos enchemos de uma expressão de absurdo, provavelmente por inobservância à astronomia ou por falta de conhecimento mesmo. No centro da constelação de câncer há um grupo de estrelas de brilho fraco que na cultura ocidental apelidamos de “presépio”, por lembrarem uma manjedoura, no entanto, ainda na cultura grega, essas estrelas são vistas como um portão para onde as almas ascendem ao além. Ironicamente, 15% das almas brasileiras que ascendem aos céus todo ano, passam por esse portão. Mais irônica ainda, é a visão dos egípcios, que veem as estreleas de presépio como um besouro, símbolo da imortalidade. De fato, as células do tumor anseiam a imortalidade, incapazes de se degenerar essas células crescem e mutiplicam-se de tal forma que acabam matando o indivíduo por excesso de vida.               

                Ainda assim, a OMS prevê que 40% das almas que ascendem aos céus poderiam ter sua passagem por esse portão evitadas. Como? Por meio de prevenção. Vale lembrar que o câncer é uma doença que normalmente inicia-se com mudança em uma célula específica que passa a forma um exército de réplicas dela mesma, assim, quando identificado em momento que esse exercito esteja pequeno e não esteja infiltrado pelo corpo, torna-se possível a neutralização dessas forças. O melhor meio para prevenir é a adoção de hábitos saudáveis, o rastreamento e posteriormente o diagnóstico precoce.
                A adoção de hábitos saudáveis faz-se mister,  afinal mais de 60% dos novos casos de câncer tem como motivação os maus hábitos alimentares e o tabagismo. Esses quesitos são de conhecimentos comuns da população, no entanto, a pressão social e econômica para a permanência de vícios e maus hábitos é superior ao desejo de saúde da população.
                O rastreamento deve ocorrer com o autoexame do paciente ou com um exame físico feito pelo médico. Campanhas não faltam orientando o paciente a tocar suas próprias mamas e testículos ou a procurar por feridas na boca ou manchas de pele incomuns. Cabe a autoconsciência de cada um realiza-los. O exame físico também recái sobre a consciência de cada um, mas este deve ser realizado por um profissional, visto que muitas vezes é invasivo e ocorre com a análise e procura de sinais em alguma cavidade corporal, como o exame de colo de útero e o de próstata.
                E, finalmente, temos a realização do diagnóstico de câncer precocemente, este deve ser realizado pelo médico associando a anamnese  e o exame clínico para verificar a necessidade dos exames complementares, esses visam não só a confirmação do diagnóstico, mas também conhecer o estágio de desenvolvimento em que se encontra o carcinoma. Os exames complementares dividem-se entre os imagiológicos e os bioquímicos, estes últimos visam a identificação de proteínas marcadoras específicas para cada carcinoma.
                Na próxima postagem, comentaremos mais sobre o câncer e sua relação com o SUS e com exames Bioquímicos. Para irem se informando mais sobre essa patologia, recomendo os seguintes links:

quinta-feira, 26 de junho de 2014

Baixa, Média, Alta

Três são os poderes que constituem o Estado, três é a referência na bíblia cristã para a Santíssima Trindade, três são  os grandes desuses hindus, três anéis para os reis elfos sob este céu, três dimensões, três sobrinhos do Pato Donald , três porquinhos,  três niveis de Atenção no SUS. Na numerologia cabalística, três é o número da perfeição e da harmonia, não sei se coincidenetemente, mas acredito que não, em três níveis de complexidade ocorre a organização do SSU: Atenção Básica, Atenção de Média Complexidade e Atenção de Alta Complexidade.

·         Atenção Básica ou de Baixa Complexidade: Referente à porta de entrada do SUS, não requer atendimento especializado e o paciente é atendido por profissionais generalistas, esses tentaram definir um diagnóstico e tratamento ainda nessa atenção se possível. Caso não seja, o paciente sofrerá uma triagem e encaminhamento para os demais níveis de atenção. Ainda na atenção básica se encontram as estratégias de prevenção de doenças.
·         Atenção de Média Complexidade: Referente a Urgência e emergência, ao atendimento que requer profissionais especializados e ao atendimento ambulatorial e suas pequenas cirurgias. Nela muito dos procedimentos são eletivos.
·         Atenção de Alta Complexidade: é a atenção que exige uma maior especialização dos profissionais, bem como uma maior estruturação do local de atendimento e, consequentemente, mais custos ao Estado. São as cirurgias, internações,  tratamentos oncológicos, transplantes de órgão, entre outros, e normalmente se encontra em grandes centros hospitalares.
Vamos esclarecer melhor isso com os seguintes casos:
Érica, 32 anos, há dois anos era acompanhada no Posto de saúde próximo à sua casa por Dr. Assis. Frequentemente se  queixava de febre, dor no corpo, mal estar. Por muitos anos, Dr. Assis diagnósticou esses males como viroses ou resfriados. No último ano, ao pedir seus exames periódicos, Érica apresentou suas taxas no exame de Lipidrograma  Total elevadas (exame da Modalidade A, embora pertencente à Mèdia complexidade e realizados em Laboratórios do Tipo I – ver post anterior). Mais recentemente, embora com alimentação mais regrada, Érica veio ao Dr. Assis queixando-se de Dores no estômago e nas articulações. Após uma endoscopia com resultado positivo para úlcera na mulcosa gástrica, e passar a levar em consideração como sintoma o rubor da pele clara de Érica, Dr. Assis pediu alguns exames de anticorpos (Exames de Modalidade C pertencentes à Média Complexidade e realizadas em laboratórios do tipo III). Ao receber o resultado dos exames e verificar às alterações, Dr. Assis encaminhou Érica à uma unidade de Média Complexidade onde ela passaria a ser acompanhada por um Reumatologista sob suspeita de Lúpus.

Flávio, 17 anos, chegou acompanhado da mãe em uma unidade de emergência, unidade de média complexidade, a cinco dias apresentava febre alta, dores no corpo, vômitos, que foi confundido pela mãe com uma forte virose. Naquela tarde em que foi à emergência, havia apresentado tontura e desmaiado. O médico de plantão verificou uma desidratação e passou a administrar soro em Flávio, durante o exame físico, Flávio desfaleceu novamente e o médico verificou uma grande queda de pressão, com ações tomadas no ímpeto que o momento exigia, a pressão foi estabilizada e exames sorológicos para dengue foram pedidos (Exame de Grupo A realizado em laboratório tipo I na média complexidade) e exames de Contagem plaquetária. Antes mesmo de sair os resultados dos exames, Flávio passou a integrar a Alta complexidade do SUS ao ser internado em uma UTI. Durante a noite, Flávio apresentou inquietação, palidez e uma nova queda de pressão e, apesar da administração de plaquetas pela equipe médica, ao anoitecer Flávio entrou em Síndrome de choque da Dengue. Na manhã do dia seguinte, já não integrava mais algum nível de complexidade no SUS, era mais um nas estatísticas.

Georgia, 47 anos, sexualmente ativa, sem parceiro fixo,  frequentadora pouco assídua das consultas ao Ginecologista (pertencente à média complexidade), resolveu, por muita pressão da amiga e de um sangramento vaginal incomum, ir fazer sua prevenção no Hospital da Mulher de sua cidade. Após colhimento de material e envio para um exame histopatológico (Modalidade A, Laboratório tipo I). Georgia recebeu o baque de possuir a quarta maior causa de mortes femininas por doenças: Câncer de Colo do ùtero. Imediatamente, Georgia foi encaminhada à um Oncologista, pertendente à média complexidade, e teve seu tratamento e acompanhamento realizado por ele na Alta complexidade, devido aos altos custo que as drogas anticâncer têm. Georgia não ficou desamparada, teve o apoio da família, de amigos e do SUS, que ofereceu-lhe um psicólogo para acompanhamento.


Espero que com essas ilustrações tenha ficado claro a relação que há entre os diferentes niveis de complexidade no SUS e como, embora pertençam a níveis diferentes, os exames podem ser pedidos a qualquer momento, a fim de chegar ao diagnóstico e realocar o paciente dentro do sistema de saúde para onde ele pode ser melhor tratado.

quarta-feira, 18 de junho de 2014

"Onde dói?", "Então, o que se passa?", "Me conte o que está acontecendo!"



Um indivíduo estava a plantar numa manhã em seu terreno, quando sucedeu-lhe uma dor nas costas, diante da perspectiva de ficar sem o que comer e de levar umas boas bordoadas da esposa, arrastou-se fazendo caretas, mas suportando-se em pé, e foi até o curandeiro da aldeia. Este rebateu-lhe: “onde dói?”,” “dói nos lombos!”. 15 minutos de maceração de folhas e um gole que desceu mais amargo do que o ensopado de carneiro da primeira filha, e o individuo arrastou-se somente até chegar em casa, quando melhorou de tal forma que já podia pular como um homem novo. Naquele dia, a esposa não deu-lhe bordoadas, pelo contrário. No segundo dia, a dor voltou. No terceiro, ela permaneceu. No quarto, o curandeiro não se aguentou e atirou-lhe mais perguntas a respeito da sua dor do que a mulher atirava-lhe seus xingamentos mensais. Assim, nasceu a anamnese.


                Obviamente, a história acima é meramente ilustrativa, e nela contém tão pouca verdade quanto em um diagnóstico dado por uma consulta sem a realização da Anamnese. Anamnese, vem do grego, quer dizer ‘trazer a memória a tona’. Ou seja, o médico vai fazer com que o paciente se lembre de seu histórico e repasse a ele, a fim de que ele possa estabelecer uma relação de causa e efeito com a patologia que o acomete. Por muito tempo, o médico perguntava apenas: “Onde dói?” e limitava sua ação ao tratamento daquela dor. Hoje, com o avanço da ideia de que o exame clínico é responsável por 70-80% do diagnóstico, o médico já pergunta “Então, o que se passa?” ou “Me conte o que está acontecendo!”, entendendo que os males que acometem os pacientes podem ir além de meras dores. Porém, a anamnese nunca deve andar sozinha, afinal, se ela é a responsável por 80% do diagnósticos, no melhor dos casos, onde se encontram os outros 20%? Simples, 15% correspondem ao exame físico, feito pelo médico: aferir pressão, auscultar o coração, perscussão do corpo, entre outros procedimentos, e 5% correspondem aos exames laboratoriais e imagiológicos.
                Se correspondem a tão pouca parte do diagnóstico, porque o sistema público paga um preço relativamente alto, que determinados exames cobram, para obter-se o diagnóstico? 5% ainda é uma porcentagem relativamente alta quando se trata da saúde humana. Além disso, esses 5% correspondem apenas a certeza NECESSÁRIA que o médico quer obter quando ele fecha 95% do diagnóstico, mas tem que descartar qualquer hipótese mais rara ou confirmar determinados diagnósticos que só podem ser confirmados com um exame laboratorial, como por exemplo lúpus, doença de Chagas, leucemia, câncer de colo do útero, doença de Addison ou mesmo a Dengue.
                Esses 5% podem corresponder, ainda, ao ponto de partida para o diagnóstico. Como assim? Imagine um recém-nascido, o médico não pode praticar uma anamnese com ele, somente com a mãe, e, mesmo obtendo o histórico da mãe, não é possível saber se o recém-nascido está sentindo algo. Com o exame físico, o médico apenas pode detectar alterações palpáveis e auscultáveis, assim, é pedido o teste do pezinho, gratuito pelo SUS e parte essencial no acompanhamento da saúde do bebê, a partir dele, pode se obter certos diagnósticos que orientarão a conduta do médico dali em diante.

                No próximo post, esclareceremos como é feito o teste do pezinho e os demais diagnósticos das doenças citadas no texto,  correlacionando com o Sistema Único de Saúde.

sábado, 7 de junho de 2014

SUS, Filas, Exames


Entre 3 e 12 reais, esse é a amplitude de custo dos exames que identificam os níveis de glicose no sangue de um indivíduo e permitir o diagnóstico preciso de diabetes. 8 reais é o preço de um exame que mede os níveis de colesterol no sangue, e permite a prevenção de doenças derivadas do excesso dele no sangue. 3 a 12 semanas, 3 a 12 meses, ou anos, esse é o tempo que se demora quando marca-se um exame pelo SUS, como ocorreu com um Aposentado em Vitória da Bahia, que teve seu exame de urofluxometria (que mediria a velocidade do jato de urina) para quatro anos a frente e, por isso, resolveu desembolsar 2.000 reais de suas economias para a realização do exame.

Cada vez mais, temos o aumento das filas de espera do SUS em uma proporção inversa ao crescimento do preço dos exames, que cada vez barateiam mais. Isso faz com que o brasileiro pague por algo que ele tem o direito constitucional de ter. O planejamento famílias, por exemplo, chega a representar 2,6% dos motivos de atendimentos nos Centro de Saúde da Família, certos exames necessários para esse planejamento, como o espermograma, não chegam a custar nem 20 reais. Então, ao invés de esperar meses em uma fila, o brasileiro prefere pagar e usufruir da rede privada.



Referências:
http://rbmfc.org.br/rbmfc/article/viewFile/95/364
http://www.sinescontabil.com.br/convenios/exames.htm
http://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2014/02/13/exame-pelo-sus-demora-quatro-anos-para-ser-marcado-na-bahia.htm

sábado, 24 de maio de 2014

Laboratórios, Exames, Ludmilla e João Paulo



Primeiramente, podemos começar com um questionamento: O que acontece quando um diagnóstico na Atenção Básica tem necessidade de exames laboratoriais? Bem, claro que isso foi algo premeditado pela organização do SUS. O problema era: Como dispor da infinidade de exames existentes para as mais variadas patologias e distribuí-los em rede nacional com o menor custo possível? Para falarmos sobre isto, temos que saber que os Exames Laboratoriais foram dividos em 4 grupos: A, B, C e D e os Laboratórios em I, II, III ou Misto. Cada tipo de exame, atendia à necessidade de uma Atenção do SUS (Básica, de Média Complexidade e de Alta Complexidade) e cada tipo de laboratório buscaria atender a uma certa demanda populacional. Vamos esclarecer mais esse fato com dois casos comuns que se iniciam nas Unidades Básicas de Saúde:
         
 Ludmilla, 24 anos, chegou para se consultar com o Dr. Assis em uma quarta feira de manhã. Apresentava-se bastante desidratada devido a uma diarréia incessante que durava já três semanas, piorando recentemente. Com a piora da diarréia, apareceram ínchaços no pescoço, febre alta e uma série de feridas e lesões na boca. Dr. Assis questionou Ludmilla a respeito do número de parceiros sexuais e se corriqueiramente usava camisinha nessas empreitadas. Ao receber uma resposta numerosa seguida de uma negativa, Dr. Assis sugeriu que Ludmilla fizesse uma sorotipagem para HIV( ELISA e Western-Blot). A sorotipagem para HIV, é um exame do grupo A, feito em um laboratório de tipo I na própria unidade de Saúde. A sorotipagem é um exame de tipo A porque se refere a atenção básica e ao controle que o médico tem do paciente nessa atenção. Uma estatística feita desses exames, mostra dados importantes a respeito da Saúde Pública. O Laboratório tipo I é um laboratório que trabalha mais com recursos humanos e com baixa tecnologia, faz exames mais simples, atende a uma população de 25.000 habitantes, comumente se encontra na assistência Básica. Nos locais longínquos, onde não há laboratórios, os postos de coletas de exames são obrigatórios, e o material colhido deve ser mandado a um laboratório do Tipo I para preparação e em seguida enviado aos demais laboratórios (II, III), dependendo do grupo do exame realizado. Após a constatação de que Ludmilla era Soropositivo para HIV, Dr. Assis a diagnosticou já em estágio de AIDS e a encaminhou para o Hospital de doenças infecciosas mais próximo. Lá Ludmilla foi tratada e passou a ser acompanhanda por meio da contagem de Linfócitos CD4/CD8 e contagem da carga viral , exames laboratóriais do grupo D, referentes a atenção de Alta complexidade. Tais exames são feitos em Laboratorios do tipo III ou mistos, os laboratórios do tipo III, são aqueles que atendem a exames da atenção de altacomplexidade, abrangem uma rede regional/estadual, favorecendo no mínimo 50.000 habitantes. Já os laboratórios mistos são aqueles que fazem a atividade de mais de um tipo de laboratório. Ludmilla hoje convive com sua carga viral baixa graças ao coquetel anti-AIDS.
                João Paulo, 19 anos, foi à UBS fazer exames rotineiros, e levantou na anamnese que havia aumentado consideravelmente o numero de vezes que necessitava urinar e consequentemente a sede excessiva, mas em sua cabeça João Paulo não sabia qual explicava qual. Além disso, constatou a perda de peso sem motivo aparente. Dr. Assis passou os exames de rotina para João Paulo e pediu para que fizesse o teste de Glicemia na prórpia UBS e voltasse com o resultado. Após a realização do Exame pertencente ao Grupo A em um laboratório tipo I, o médico constatou a quantidade ligeiramente elevada de glicose no sangue de João Paulo e recomendou a ele um teste de Hemoglobina Glicada. Apesar de esse segundo teste ter material colhido e preparado em um Laboratório tipo I, ele foi encaminhado e realizado em um Laboratório tipo II, que atende a médiacomplexidade e abrange uma população de 25.000 a 50.000 habitantes, esses laboratórios são mais automatizados e visam exames que ocorrem com menor frequência, normalmente, visando a confirmação de diagnósticos. O teste de Hemoglobina Glicada é um exame do Grupo B, que representa um segundo nível de apoio diagnóstico e ocorre com menos frequência do que o grupo A. Após a confirmação da Glicose elevada nos últimos meses, Dr. Assis passou para João Paulo um exame de Anticorpos Anti-insulina, afim de descobrir qual tipo de Diabetes ele possuia. O exame, novamente, colhido em um laboratório tipo I, preparado e encaminhando a um Laboratório tipo III, esse possui abrangência regional/estadual e atende a uma população de mais de 50.000 habitantes, eles possuem um maior e mais custoso aparato tecnológico e atendem a atenção de altacomplexidade.  O teste de anticorpos Anti-insulina é um exame do Grupo C, exames que visam uma investigação diagnóstica detalhada ou acompanhamento clínico do paciente. João Paulo foi diagnosticado com diabetes tipo I que hoje encontra-se controlada graças administração de doses de insulina.
                Com essa estruturação, o SUS buscou atender as mais variadas necessidades do brasileiro, mas ficamos com o questionamento: Porque, mesmo com toda a aparelhagem dos laboratórios e o atendimento nos três níveis de complexidade do sistema de saúde, o brasileiro ainda procura os Planos de saúde ou paga do próprio bolso os exames laboratoriais?



Referências:

Demais referências em sites:

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Luz. SUS. Laboratórios.




           


                  Era ano de 1988, o Brasil  acabava de sair dos longos anos de escuridão da ditadura militar, então o Poder Constitucional, reformulando o Estado Brasileiro, disse: “Todos têm direito a saúde”, quase que como um “Haja Luz”, e houve SUS. Finalmente, o brasileiro que que nunca pode ver a um médico sem pagar caro por uma consulta, ou sem estar empregado ou refém das grandes empresas de planos de saúde pode ter acesso a consulta médica, a prevenção, a tratamentos de ponta e a exames clínicos, isso com acesso irrestrito a todo território nacional.
                Porém, em 1988, a luz emitida era tão fraca que demorou dois anos para surtir seus efeitos. Mas em 19 de setembro de 1990, o então presidente da república, Fernando Collor de Melo fez saber que o Congresso nacional decretava e sancionava a Lei 8.080, que determinava a criação de um Sistema Único de Saúde, mais conhecido como SUS. Dessa vez, reinava no mundo das ideias o método de promoção de saúde completo. A própria natureza jurídica do o SUS resguardava a prevenção de doenças, a consulta médica, o tratamento de doenças e os exames clínicos que auxiliariam o diagnóstico final.
                O pobre SUS, ainda débil, caminhava a passos lentos, instantaneamente, converteu os então hospitais da rede pública para passarem a compô-lo e traçou acordo com os hospitais de redes particulares. Além disso, passou focar na Assistência Básica e na prevenção de doenças. O plano era tanto megalomano quanto sua abrangência. Com o SUS, um indivíduo, estrangeiro ou nativo, empregado ou desocupado, rico ou pobre, poderia dirigir-se a um posto de saúde mais próximo, ser atendido, fazer os exames de maneira gratuita e ainda poderia vir a receber os fármacos pela mesma rede.
                No entanto, o SUS não estruturou-se tão rápido. O pequeno gigante foi criado a colheradas dadas na boca até crescer. A anabolização da rede laboratorial do SUS se deu de maneira devagar. Em 2002, regulou-se sobre a infraestrutura geral do pequeno gigante, mas só em 2005, regulou-se o funcionamento de Laboratórios Clínicos e Postos de Coletas Laboratoriais.

 Vendo o SUS como esse gigante que corre Brasil a fora, no presente Blog dissecaremos e analisaremos a fisiologia da Bioquímica Clínica dentro dele, seus nuances, suas politicas, seus viéses legais e Biológicos.

Referências:
RDC/ANVISA Nº. 302/05 - http://goo.gl/M1s0Uh
RDC/ANVISA Nº. 50/02 - http://goo.gl/9g3G3J
          LEI Nº 8.080, DE 19 DE SETEMBRO DE 1990
          CF. ARTIGO 5º